Em 1979, uma família em busca de pontas de flechas na Caverna Buffalo, uma caverna remota em Idaho, deparou-se com uma descoberta assustadora: um torso humano mumificado envolto em estopa, enterrado superficialmente nas profundezas da caverna. Os restos mortais confundiram os peritos forenses devido às suas características aparentemente antigas, porém recentes, levando a décadas de especulação e investigações não resolvidas. Somente em 2019, por meio de avanços na análise de DNA e genealogia genética, os restos mortais foram identificados como pertencentes a Joseph Henry Loveless — um criminoso notório que escapou da prisão em 1916 e foi assassinado logo depois. Este caso não apenas demonstra o poder da ciência forense moderna, mas também se destaca como a vítima de assassinato mais antiga identificada na história dos EUA.

A Descoberta e o Mistério Inicial
O caso teve início em 26 de agosto de 1979, quando uma família que explorava a Caverna Buffalo (parte do sistema de Cavernas da Defesa Civil) perto de Dubois, Condado de Clark, Idaho, em busca de artefatos nativos americanos, descobriu um torso sem cabeça, envolto em estopa, enterrado a cerca de 45 centímetros de profundidade. Os restos mortais estavam parcialmente preservados devido às condições secas e frias da caverna, com parte da pele e dos músculos ainda intactos, o que lhes dava uma aparência de múmia.
Peritos forenses da Universidade Estadual de Idaho (ISU), do Instituto Smithsonian e do FBI analisaram os restos mortais. Eles estimaram que a vítima era um homem europeu, com cerca de 40 anos de idade no momento da morte, cabelos castanho-avermelhados, e o tempo decorrido desde a morte poderia variar de seis meses a mais de uma década. No entanto, a preservação e as roupas — descritas como uma camisa branca com listras azuis, um suéter marrom e calças escuras — sugeriram que os restos mortais poderiam ser mais antigos, criando uma contradição intrigante. O corpo foi desmembrado com múltiplas ferramentas afiadas, provavelmente para escondê-lo, e nenhuma cabeça foi encontrada.
Em 1991, o caso ganhou ainda mais atenção quando uma jovem que explorava a caverna descobriu uma mão mumificada. Escavações subsequentes recuperaram um braço e duas pernas, também envoltos em estopa. Apesar do interesse internacional, a identidade do “John Doe da Caverna do Búfalo” permaneceu um mistério por décadas, com os métodos tradicionais de investigação sem fornecer respostas.
A vida e os crimes de Joseph Henry Loveless
Joseph Henry Loveless nasceu em 3 de dezembro de 1870, em Payson, Território de Utah, em uma família de pioneiros mórmons. Seus pais eram Joseph Jackson Loveless e Sarah Jane Scriggins, primeiros colonos filiados à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. O avô de Loveless, um polígamo com quatro esposas, contribuiu para uma grande família com centenas de parentes.
Loveless casou-se duas vezes: primeiro com Harriet Jane Savage, em 1899, com quem teve um filho antes de se divorciar em 1904 por “abandono”, e depois com Agnes Octavia Caldwell, em 1905, com quem teve quatro filhos. Ele era um criminoso de carreira, notório por contrabando, falsificação e outras atividades ilegais em Idaho. Usando pseudônimos como Walter Cairns, Charles Smith e Walt Currans, Loveless era conhecido por sua habilidade para escapar da prisão — certa vez, serrou as grades da prisão com uma lâmina escondida no sapato e até parou um trem em movimento para fugir.
No início de maio de 1916, Loveless foi acusado de assassinar sua esposa Agnes com um machado enquanto ela dormia, testemunhado por dois de seus filhos. Vizinhos relataram discussões anteriores. Ele foi preso e mantido na cadeia de St. Anthony, em Idaho. No funeral de Agnes, em 16 de maio, um dos filhos de Loveless disse aos presentes que seu pai escaparia em breve, pois “ele nunca fica preso por muito tempo”. Fiel ao seu estilo, em 18 de maio de 1916, Loveless serrou as grades e escapou às 17h30, enquanto o carcereiro jantava. Cartazes de procurado o descreviam usando um chapéu claro, casaco marrom, suéter marrom e cueca azul sobre calças pretas — combinando parcialmente com as roupas encontradas nos restos mortais.
Acredita-se que Loveless tenha sido assassinado logo após sua fuga, possivelmente pela família de Agnes em retaliação. Seu corpo desmembrado permaneceu escondido, e o caso permaneceu aberto no Gabinete do Xerife do Condado de Clark até 2020.
O avanço e a resolução
Em 2019, um grande avanço ocorreu quando antropólogos da ISU, incluindo Samantha Blatt e Amy Michael, colaboraram com o Gabinete do Xerife do Condado de Clark para recrutar o Projeto DNA Doe, uma organização sem fins lucrativos especializada na identificação de restos mortais desconhecidos por meio do DNA. O material genético foi extraído de um fragmento ósseo da perna, e a Othram Inc. auxiliou no sequenciamento.
O genealogista genético Lee Bingham Redgrave construiu uma árvore genealógica a partir do DNA, rastreando a linhagem até os pioneiros mórmons em Utah. O processo foi complexo devido à poligamia do avô de Loveless, resultando em centenas de parentes. Usando artigos de jornais antigos, lápides (confirmando que a lápide de Loveless era um cenotáfio sem corpo) e registros, eles reduziram a lista de candidatos. Em 5 de novembro de 2019, o Projeto DNA Doe fez uma identificação provisória; em 31 de dezembro de 2019, o DNA do neto de 87 anos de Loveless, na Califórnia, confirmou a identidade — exatamente 40 anos, 4 meses e 5 dias após a descoberta inicial.
Redgrave observou: “O que é fascinante é que seu último cartaz de procurado descrevia roupas idênticas às que foram encontradas no corpo, o que nos ajuda a estimar sua morte por volta de 1916”.
Importância do Caso
Joseph Henry Loveless é reconhecido como a vítima de assassinato mais antiga identificada na história dos EUA, com sua morte por volta de 1916 e identificação em 2019 — um dos casos mais antigos solucionados por meio da genealogia genética forense. O caso destaca os avanços da ciência forense, em particular o sequenciamento de DNA, na resolução de casos arquivados. Também serve como um lembrete de inúmeros mistérios não resolvidos, com crimes adormecidos por décadas até que novas tecnologias ou informações surjam.
O xerife Bart May afirmou que o caso permanece aberto, com a esperança de que novas pistas, a partir de fotos antigas de família ou artigos de jornais não digitalizados, possam revelar o assassino. A história de Loveless não é apenas uma tragédia pessoal, mas um testemunho da persistência da justiça, por mais tardia que seja.